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A tenda dos milagres

            
            Entende-se por milagre a ação, o fato ou acontecimento que é impossível de ser explicado segundo as ciências naturais, atribuindo, então, o acontecido a uma ação sobrenatural de ordem Divina.
            Desde o início da civilização, o homem espera por um milagre para chover nas plantações, para baixar as águas de enchentes, para ter caça, para o frio passar, para curar uma doença e, considerando a atualidade, até para poder pagar as contas do mês. Mas a saúde foi o motivo que mais desenvolveu os milagres, surgindo o curandeirismo que é uma arte ou técnica na qual o curandeiro afirma ter o poder de curar, recorrendo a forças misteriosas que disporia ou pela colaboração regular de deuses ou espíritos que lhe serviriam.
            Esse curandeirismo continuou com as religiões. Considerando as 10 religiões com mais adeptos do mundo, cristianismo, com cerca de 2.106.962.000; islamismo, com 1.283.424.000; hinduísmo, com 851.291.000; religiões chinesas, com 402.065.000; budismo, com 375.440.000; skihismo, com 24.989.000; judaísmo, com 14.990.000; espiritismo, com 12.882.000; fé Bahá’í, com 7.496.000 e confucionismo, com 6.447.000, a maioria possui alguma interpretação que envolve algum milagre.
            O budismo existe há cerca de 2500 anos e em algumas Sutras encontramos citações que Shakyamuni realizou milagres para seus discípulos e seguidores, porém ele proibiu seus discípulos de realizá-los. Ele e seus seguidores concentraram-se na prática do ensinamento de que a lei de causa e efeito define tudo neste mundo, portanto, nós somos capazes de entender tudo o que está acontecendo sob a lei e nada é um milagre.
            Na realidade os milagres se disseminaram com o cristianismo. A Igreja Católica admite milagres, com o intuito de mostrar o poder de Deus em ação no mundo. Tanto é que, para que alguém possa ser canonizado, é necessária a comprovação de dois milagres, pelo menos, ocorridos por sua inequívoca intercessão. Entretanto, há de se submeter o caso a um longo processo, que contempla cinco condições básicas: 1) a medicina deve comprovar e atestar que o paciente é vítima de uma persistente doença grave, não funcional; 2) a cura do mal é tão rápida que se pode considerar instantânea; 3) a medicina deve admitir que os tratamentos, anteriormente aplicados, foram ineficientes; 4) não houve recuperação gradual das funções orgânicas perdidas; 5) a cura deve ser duradoura e comprovada por sucessivos controles.
            Considerando a ciência pura, não existe milagre, todos os fenômenos devem ser explicados por uma lógica palpável e natural com provas concretas, confirmadas por grupos diversos de cientistas para poderem confirmar a natureza do fenômeno, embora, muitas vezes, essa lógica não é reconhecida por falta de capacidade técnica. De forma muito diferente, a posição religiosa acredita que a fé faz com que o improvável, talvez mesmo o obscuro, seja aceitável. Acreditar (= ter fé) pode tornar possível um fato implausível. Isso justifica o critério e a preocupação da Igreja Católica para aceitar um milagre, embora, por respeito a seus fiéis, mantenha muitos "milagres" desde a Idade Média.
            O cuidado em aceitar milagres está diretamente relacionado ao nosso campo de conhecimento, porque o que pode parecer um milagre hoje poderá não ser no futuro, devido ao avanço da ciência. Segundo Marcelo Gleiser, no artigo publicado no jornal Folha de São Paulo de 04 de dezembro de 2005, um exemplo interessante é o milagre de São Januário, que vem sendo celebrado em Nápoles desde o século XIV. Esse milagre envolve um frasco contendo, supostamente, o sangue do santo, que se, na data da cerimônia, estiver liquefeito, a população pode estar certa de que o futuro será bom, entretanto, se permanecer sólido, o futuro não será promissor. Multidões assistem ao ritual em um estado de absoluto desespero. Com o cuidado de não agredir a fé das pessoas, o químico Luigi Garlaschelli, da Universidade de Pavia, investigou o milagre de São Januário e descobriu que a substância no frasco não era sangue e, com substâncias disponíveis no século XIV, preparou uma mistura que em repouso se cristaliza e quando sacudido se liquefaz, podendo explicar o fenômeno.
            Eu fico muito preocupado com as atitudes irresponsáveis de determinadas seitas que utilizam os artifícios milagrosos em grande escala como fachada para o seu desenvolvimento, criando um império extremamente lucrativo para seus fundadores. Essas seitas prometem milagres e curas extraordinárias, sempre justificando o insucesso com a falta de fé do crente. Esse teatro usando pobres “ovelhas” desesperadas é o que mais abomino. Entre tantos exemplos, vou citar o da senhora Maria (vou omitir o nome verdadeiro) que está em coma em um hospital por acreditar que tinha sido curada por um pastor de uma dessas igrejas ditas “evangélicas” e parou de fazer o tratamento quimioterápico. A saúde pública tinha que tomar providências porque essa farsa é uma irresponsabilidade. Esse pastor, que nada mais é do que um puro ateu rouba descaradamente de seus fiéis dizendo que "a Bíblia diz que aqueles que não devolvem o dízimo estão roubando a Deus", inventou o trízimo, diz fazer milagres miraculosos e até vende lenços com o seu suor curativo. Mas quando teve problemas no joelho, apostou na medicina tradicional e foi operado no Hospital Albert Einstein, uma das mais caras unidades privadas de saúde do país. Cara de pau! Sua desculpa foi que “o médico é importante, mas quem dá a última palavra é Deus”, entretanto, no seu caso, quem deu a última palavra foi a excelente equipe médica com equipamentos de tecnologia avançada de um dos melhores hospitais do Brasil.
            Outro milagre inacreditável dessas seitas evangélicas é a promessa de emagrecimento rápido, através de "lipoaspiração divina", feita por um pastor do município de Caxias, no Rio de Janeiro. O mais incrível é que esse pastor está sendo criticado por membros de igrejas católicas e evangélicas. Ora, milagre é milagre! Até aqui no nosso estado (ES), existem esses oportunistas, como acontece em Cariacica, onde se formam filas para a lipoaspiração divina durante o culto. Com o poder da oração, é prometido fazer com que os fiéis percam de 10 a 15 quilos em poucos minutos. Com gritos de “pessoas obesas sejam curadas!”, o pastor comanda um grupo de 40 pessoas que procuram na oração uma solução até para cura de pessoas cadeirantes. Para a "cura do peso", o pastor diz que “a anestesia de Adão é um dom que Deus me deu. Vocês vão fechar os olhos agora e poderão me ouvir, mas não vão conseguir se mexer. Vocês vão sentir uma leveza no corpo e vão adormecer. Seja qual for a causa da sua obesidade, creiam no poder de Deus”. Outro cara de pau, criando até a tal anestesia de Adão.
            Outra seita consegue recuperar partes do nosso corpo e cita "a verdade é: Cada um carrega em si a capacidade de curar seu próprio corpo. Sim, vocês carregam consigo a capacidade de rejuvenescer o seu corpo para regenerar órgãos inteiros e partes do corpo podem ser restauradas, quer vocês acreditem ou não. Esta é realmente uma habilidade característica essencial da natureza humana. Só que esta capacidade foi esquecida ao longo dos milênios e, em consequência, foi abandonada. Ficou assim, digamos, um pouco atrofiada. Mas agora é hora de lembrarem novamente desta sua capacidade e, gradativamente, você voltará a ter consciência dela." (Fonte: http://www.anjodeluz.net/sternenkraft/raphael.htm).
            Não questiono a fé das pessoas porque acho que pode “mover montanhas”, mas usar a fé como o único procedimento contra doenças é insano. Um exemplo triste ocorreu com um casal que pertence a uma igreja fundamentalista que acredita na cura exclusivamente pela fé. O casal, ao invés de levar o seu filho doente de 2 anos ao hospital, resolveu curá-lo somente com a fé. Infelizmente, o menino morreu e os pais foram condenados a 10 anos de prisão por homicídio culposo. Quando foram soltos de forma condicional, outro filho doente de 8 meses morreu porque Deus não atendeu a fé dos pais. É lógico que os pais não queriam matar os filhos e tinham convicção de que poderiam curá-los pela fé ao ponto de não procurarem ajuda médica. Essa doutrinação cega é abominável e leva pessoas a se fecharem dentro de uma realidade que está na contramão da vida.
            Eu sugiro que o governo esqueça a "inteligentíssima" ideia de "importação" de médicos para suprir a demanda no Brasil e crie cursos ou faculdades milagreiras utilizando esses pastores e nem hospital será necessário, é muito fácil. Ou melhor, doe o trízimo do dinheiro empenhado para as ações da saúde no Brasil para esses pastores que eles resolverão o problema. Acho que eles vão adorar, porque, se não der certo, foi falha na fé.

Edson Perrone
ecperrone@gmail.com


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